terça-feira, 1 de setembro de 2015

A GENÉTICA DO POVO PORTUGUÊS III

O ADN mitocondrial (MTDNA) em Portugal – a linhagem feminina.

Os haplogrupos de ADN mitocondrial têm uma distribuição geográfica mais difusa, alargada e variada. Se as linhagens masculinas trazidas por um grupo dominante tendem a substituir as linhagens autóctones, porque os homens autóctones, ao serem vistos como uma ameaça, são mortos ou escravizados, não lhe sendo permitido ter descendência; o mesmo não acontece com as mulheres. Assim, as linhagens femininas tendem a subreviver e coexistir com as linhagens invasoras.
Em Portugal como no resto da Europa, há mais haplogrupos de MTDNA do que de YDNA. Os principais haplogrupos das linhagens femininas em Portugal distribuem-se pelas seguintes percentagens:

H
U4+U5
J
L
T2
K
44
8,2
6,8
6,4
6,3
6,1

Claramente destaca-se, a larga distância de todos os outros, o Hg H. Este haplogrupo é dominante em todos os países europeus e ainda em Marrocos e na Argélia. Também é dos mais comuns nos restantes países do Norte de África e do Médio Oriente. Por enquanto não há certeza sobre a sua origem. Estava presente na Europa já durante o paleolítico, mas em percentagens reduzidas – o Hg U5 era dominante na Europa, naquele tempo. O Hg H começou a tornar-se mais comum durante o neolítico e acabou dominante em toda a Europa durante a Idade dos metais.
Interessante para a genética portuguesa é o facto de que uma das expansões do Hg H na Europa deu-se com a expansão da cultura do vaso campaniforme (Bell-Beaker Culture – BBC). Esta cultura teve origem na estremadura portuguesa, o que leva a concluir que muito do Hg H existente na Europa teve origem em Portugal e espalhou-se pela Europa há 4500 anos atrás.
As maiores frequências de Hg H encontram-se na Ibéria, na França Ocidental, nas Ilhas Britânicas e nos países esdinavos.
A seguir vem o conjunto de haplogrupos U5 e U4. Particulamente o U5 era o Hg mais comum na Europa do paleolítico. A chegada da agricultura modificou bastante a situação, pois se estes Hg são comuns em toda a Europa, ainda assim difilmente ultrapassam os 20% e tal só acontece nos extremos do Norte da Europa e do Báltico; onde o influxo de populações neolíticas (agricultoras) foi menos intenso.
O Hg T2 também parece estar cá presente desde o paleolítico. Na Ibéria parece ser um pouco mais frequente no Algarve e na região de Aragão.
Os Hg J e K parecem ter vindo com a expansão da agricultura, trazida por povos do Médio Oriente.
Finalmente, o Hg L deverá a sua presença aos invasores muçulmanos. Em Marrocos é quase tão frequente como o Hg H. Na Ibéria atinge os 7,5% na Andaluzia e pode chegar aos 11% no Algarve. No entanto, nota-se uma diferença significativa entre Portugal e Espanha. Se o Hg L chega a 6,4% em Portugal, na Espanha a sua frequência global é de 2,4%. Como se explica tal diferença? Os diferentes tamanhos e geografias de Espanha e Portugal podem dar alguma explicação. O facto de a Espanha abranger a maior parte do terço norte da Peninsula Ibérica é muito relevante. Ainda assim, não podemos ter a certeza que isto explique totalmente a diferença encontrada. Será talvez mais simples admitir que parte desta diferença se deve a uma origem subsariana (África Negra) de parte do Hg L; que teria entrado em Portugal também através das escravas africanas que se sabe terem sido trazidas para cá. Ter a certeza está ao alcance da tecnologia existente. É preciso fazer um estudo dos subgrupos do Hg L em Portugal, de modo a compará-los com os do Norte de Africa e da África subsariana.
Em conclusão, Portugal está “em sintonia” com a Europa, ao ter como dominante o Hg H. Terá mesmo contribuido decisivamente para a sua expansão na Europa, onde uma parte significativa do Hg H será daqui originária.
Os Europeu “originais”, paleolíticos estarão representados, entre outros menos frequentes, pelos Hg U4, U5 e T2; numa percentagem conjunta de uns 14,5%.
Os neolíticos J e K vão a quase 13% e os muçulmanos/africanos representam 6,4%.

No próximo post vamos ver a composição do povo português no que respeita ao ADN autossómico.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A GENÉTICA DO POVO PORTUGUÊS II

As linhagens do adn do cromossoma Y em Portugal.

O que significa este mapa?


O mapa representa os haplogrupos mais frequentes, dominantes, em cada país.
É fácil ver que há duas linhagem principais na Europa: o haplogrupo R1b na Europa Ocidental e o haplogrupo R1a na Europa de Leste. Nos países nórdicos domina a linhagem do I1 e nos paises balcânicos, com exclusão da Grécia e da Albânia, é a linhagem I2 a mais frequente. O haplogrupo N mostra-nos a origem fino-úgrica dos finlandeses e dos povos dos países bálticos. A Albânia e a Grécia são os únicos que parecem ter ido buscar a sua linhagem mais frequente fora da Europa, pois é o haplogrupo E que aí domina. O grupo E é o haplogrupo mais frequente no Norte de África.
No mapa também vemos que a Turquia e os países do Médio Oriente pertencem ao grupo J.
Por fim, a linhagem G encontra-se espalhada por toda a Europa, mas apenas é dominante na Geórgia.

Portugal, como se pode ver, integra-se perfeitamente nos países da Europa Ocidental, uma vez que aproximadamente 57% dos homens portugueses têm um cromossoma Y que pertence ao Haplogrupo (Hg) R1b.
O Hg R1b é mais comum na Irlanda e no País Basco, onde atinge frequências à volta dos 80%. Em Portugal, o R1b é ligeiramente mais comum no norte do que no sul.
Apesar de ser o mais comum, não será o mais antigo em Portugal, nem sequer na Europa. Antes o Hg I terá dominado a Europa do Paleolítico e depois recuou perante a chegada de agricultores, que trouxeram outras linhagens. O Hg I recuou e apenas manteve o domínio nos paises nórdicos e nos países balcânicos (cada qual tem agora o seu próprio tipo de Hg I).
Ainda não se sabe com segurança se o R1b veio para Portugal com a agricultura ou mais tarde, na Idade dos metais; mas foi sempre antes do período celta. Noutro post hei-de abordar com mais pormenor a questão das origens do R1b. O certo é que os homens R1b vieram substituir em grande medida os homens com as linhagens primitivas.

Mas se 57% dos homens portugueses têm o Hg R1b, há uns 43% de homens portugueses com outras linhagens.
Os vários estudos dão números que diferem um pouco entre si. Juntando os dados de vários estudos, chegamos a números que serão bastante aproximados da realidade. Assim, os haplogrupos de YDNA em Portugal dividem-se pelas seguintes percentagens:
R1b....... 57
E1b....... 14
J2.......... 9
G.......... 6,5
I1/I2b..... 5
J1.......... 3
T........... 2,5
I2.......... 1,5
R1a........ 1,5

Destaca-se, em segundo lugar, o grupo E1b. Como disse acima, o grupo E é mais comum no Norte de África. O E1b é particularmente dominante no noroeste africano. A primeira ideia que surge é que esta linhagem veio com a invasão muçulamana da península, mas não é uma ideia correcta. Na verdade, a maioria desta linhagem terá chegado cá em tempos ancestrais – no paleolítico ou nos primeiros tempos da introdução da agricultura. É por isso que, ao contrário do que seria de esperar, esta linhagem é mais comum no norte de Portugal e na Galiza do que no sul.
Se juntarmos as linhagens J1, J2, G e T, todas vindas do Médio Oriente, temos uma percentagem de mais de 20%; superior, portanto, à E1b. Uma parcela destas linhagens terá chegado com a expansão da agricultura, mas uma grande parte ter-se-à fixado aqui no período de dominação muçulmana. Estas linhagens são mais comuns no sul do que no norte de Portugal.
Com 5% temos os haplogrupos I1 e I2b, ambos nordico-germânicos.
Mais residuais são os grupos I2a e R1a. Este mais estabelecido no leste da Europa e portanto a sua percentagem coincide com a distância geográfica. O I2a, um pouco mais próximo geograficamente, também não conseguiu manter-se em número significativo.
De um modo geral e em conclusão, o adn do cromossoma Y, em Portugal, integra-se perfeitamente na região onde se encontra Portugal – a Europa Ocidental – com a alta prevalência do Hg R1b. Não surpreende uma percentagem significativa de uma linhagem norte-africana – Hg E1b – embora seja mais inesperado o facto de ela ser ancestral e não estar ligada ao domínio muçulmano. Já as linhagens do Médio Oriente chegaram cá, primeiro com o advento da agricultura e depois com o domínio muçulmano. Todas elas estão também presentes noutros países europeus, aonde chegaram com a agricultura, e onde, por vezes, se encontram em maiores percentagens do que em Portugal. As linhagens germânicas – I1 e I2b – terão chegado com as invasões germânicas e, eventualmente, em período anterior à dominação romana.

No próximo post vamos ver a composição do povo português no que respeita ao adn mitocondrial.
A GENÉTICA DO POVO PORTUGUÊS I

Nos últimos 20 anos os testes genéticos têm vindo a tornar-se mais abrangentes, mais rápidos e mais baratos. A evolução tem sido tal que hoje está ao alcance de qualquer pessoa (e da maioria dos bolsos) fazer um teste genético, sequenciando uma boa parte do seu genoma. As bases de dados genéticos têm crescido de modo espantoso. Isto permite que, actualmente, se possa fazer uma caracterização genética das diversas populações humanas, em particular das europeias – que têm sido as mais estudadas.
É já possível fazer uma caracterização geral da genética do povo português, das suas origens e de como ela se compara em relação a outros povos. É essa caracterização que vou tentar fazer nas diversas partes deste post. Desde já fica o aviso de que a noção de povo português, para este efeito, considera apenas indíviduos 100% portugueses de 3ª ou 4ª geração (todos os avós ou todos os visavós portugueses) e apenas aqueles que sejam caucasóides (brancos). São critérios que podem ser criticados, mas utilizo-os porque são aqueles que têm sido usados nos estudos científicos.


Para perceber a minha descrição da genética portuguesa é preciso conhecer primeiro algumas noções simples e as suas consequência, que passo a explicar sucintamente.
Vamos dividir o adn de uma pessoa em três tipos: o adn autossómico, que é o adn que determina as nossas características biológicas (como seja o aspecto físico); o adn sexual, constituído pelos cromossomas X e Y e o adn mitocondrial, que regula a produção de energia no interior das células.
Faço esta divisão porque cada um destes tipos de adn dá-nos um tipo de informação diferente sobre a nossa genética e as suas origens. O adn autossómico é aquele que realmente queremos conhecer, pois é ele que contém as informações que determinam o funcionamento do nosso organismo e do nosso aspecto físico (fenótipo). O problema é que é dificil extrair informação deste tipo de adn, para poder caracterizar uma população ou para determinar a sua origem. Isto é assim porque, por um lado, ele sofre recombinação – digamos que é baralhado e reorganizado quando se gera a pessoa – e, por outro lado, se é fácil encontrar diferenças entre a genética de duas pessoas, é bem mais dificil encontrar diferenças entre grupos ou populações. Hei-de explicar isto melhor quando descrever o adn autossómico português. Quanto ao adn mitocrondrial e ao cromossoma Y do adn sexual, as coisas são muito mais fáceis.
O nosso adn mitocondrial é herdado exlcusivamente do lado materno da família. Ele é, salvo a ocorrência de alguma mutação, exactamente igual ao da nossa mãe. Isto dá-nos uma linhagem femenina que podemos traçar até milhares de anos atrás.
O adn do cromossoma Y é herdado exclusivamente do lado masculino, sendo idêntico de pai para filho. Do mesmo modo que no adn mitocondrial, com o adn do cromossoma Y é possível traçar a linhagem masculina de uma pessoa milhares de anos para trás.
As linhagens mitcondriais e do cromossoma Y estão divididas em Haplogrupos (Hg). Cada haplogrupo é desginado por uma letra maiúscula (p.ex. R) e quando ocorre uma mutação dentro do haplogrupo, é-lhe atribuído um número (p. ex. R1, R2 e assim por diante). Quando dentro de cada um destes subgrupos ocorre uma outra mutação, acrescenta-se uma letra minúscula (p.ex. R1a, R1b, etc.) Como é possível datar esta mutações, podemos saber como nos integramos em cada grupo al longo do tempo.



Vamos então começar por ver quais são as linhagens masculinas (Hg Ydna) existentes em Portugal, o que faremos já no próximo post.